Introdução
A frase “faça aquilo que te faz bem” tem se tornado popular nas mídias sociais e em conversas sobre autocuidado e bem-estar. No entanto, no contexto da recuperação da dependência química, essa frase pode ser mal interpretada e até prejudicial. Para dependentes e co-dependentes, existe o risco de que ela seja confundida com o desejo de realizar apenas atividades que proporcionam prazer imediato, em vez de focar no que realmente precisa ser feito para sustentar a sobriedade e a recuperação. Este artigo discute os perigos de uma má interpretação dessa frase e como, na jornada de recuperação, fazer o que “precisa ser feito” é mais importante do que buscar prazer imediato.
A Armadilha do Prazer Imediato
A dependência química está intimamente ligada à busca incessante pelo prazer imediato. Substâncias químicas alteram a química cerebral, proporcionando uma sensação de prazer instantâneo, mas trazendo consequências devastadoras a longo prazo. Quando um dependente ou co-dependente se depara com a frase “faça aquilo que te faz bem”, pode haver uma confusão entre o que “faz bem” e o que traz prazer momentâneo.
De acordo com Daley (2013), “o dependente químico muitas vezes confunde felicidade com prazer, buscando no uso de substâncias uma forma de preencher um vazio emocional.” No processo de recuperação, é essencial que o indivíduo compreenda que a verdadeira sensação de bem-estar vem de ações que trazem crescimento pessoal, equilíbrio emocional e sobriedade, e não do prazer fugaz que as drogas ou outros comportamentos viciantes proporcionam.
Fazer o que Precisa Ser Feito: Um Compromisso com a Sobriedade
A recuperação exige disciplina, resiliência e, acima de tudo, o compromisso de fazer o que é necessário para manter a sobriedade. Isso muitas vezes envolve tomar decisões difíceis e fazer escolhas que, no curto prazo, podem não parecer agradáveis ou satisfatórias, mas que são cruciais para o sucesso a longo prazo.
No Programa de 12 Passos, um dos pilares fundamentais é a capacidade de se render e aceitar que, para manter a sobriedade, o indivíduo deve seguir um conjunto de princípios que vão além do prazer momentâneo. Covey (1989) afirma que “os princípios certos libertam as pessoas para o verdadeiro crescimento e satisfação.” No contexto da recuperação, seguir esses princípios significa priorizar o que precisa ser feito — como ir à terapia, praticar o autocuidado e evitar gatilhos — em vez de ceder ao que traz prazer temporário.
O Papel da Disciplina e da Resiliência
Disciplina e resiliência são fundamentais no processo de recuperação. Esses dois elementos estão frequentemente ausentes na vida de alguém em dependência ativa, onde o comportamento impulsivo domina a rotina. A frase “faça aquilo que te faz bem”, se não compreendida corretamente, pode minar esses aspectos, incentivando o dependente a buscar apenas o que lhe proporciona satisfação imediata, ignorando o trabalho árduo e contínuo necessário para manter a sobriedade.
Frankl (2006) sugere que “a verdadeira satisfação vem não de fazer o que é fácil, mas de fazer o que é significativo.” No processo de recuperação, essa abordagem é vital. Fazer o que é significativo, como enfrentar os desafios, lidar com as emoções e seguir o programa de recuperação, é o que realmente trará bem-estar a longo prazo.
A Diferença entre Autocuidado e Complacência
Outro ponto importante a ser abordado é a diferença entre autocuidado e complacência. Autocuidado, no contexto da recuperação, envolve ações que melhoram a saúde física, emocional e mental, enquanto complacência pode envolver a abdicação de responsabilidades em troca de prazeres momentâneos. O dependente deve ser orientado a entender que “fazer o que te faz bem” está intimamente ligado ao autocuidado responsável, e não à busca de gratificação imediata.
Brown (2012) afirma que “autocuidado é uma prática intencional e deliberada que envolve fazer o que é necessário, mesmo que não seja o mais confortável no momento.” Para o dependente, isso pode significar participar de grupos de apoio, seguir uma rotina saudável e evitar ambientes que possam desencadear uma recaída. Esses são exemplos de ações que “fazem bem”, mas que nem sempre proporcionam prazer imediato.
Conclusão
A frase “faça aquilo que te faz bem” pode ser uma armadilha perigosa para dependentes químicos e co-dependentes se mal interpretada. No contexto da recuperação, o verdadeiro bem-estar não vem do prazer momentâneo, mas da dedicação a uma vida de sobriedade e propósito. Fazer o que “precisa ser feito” deve ser o lema de quem está em recuperação, pois são essas ações que, a longo prazo, trarão a verdadeira sensação de bem-estar, felicidade e realização.
Referências
BROWN, Brené. A Coragem de Ser Imperfeito: Como Aceitar a Sua Vulnerabilidade, Vencer a Vergonha e Ousar Ser Quem Você É. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.
COVEY, Stephen R. Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes. Rio de Janeiro: BestSeller, 1989.
DALEY, Dennis C. Addiction and Recovery: Coping with Chemical Dependency and Its Impact on Your Family. New York: Oxford University Press, 2013.
FRANKL, Viktor E. Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração. 34. ed. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2006.