Como Fazer um Reset no Cérebro para Voltar a Sentir Pequenos Prazeres Naturais

Posted On By Jacson Santos
Reconfigurando o Cérebro: Como Voltar a Sentir Prazer em Atividades Naturais na Recuperação da Dependência Química
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Introdução

A dependência química é um distúrbio que afeta profundamente o cérebro e suas funções, especialmente o sistema de recompensa. Quando uma pessoa está em processo de recuperação, uma das maiores dificuldades é aprender a sentir prazer novamente em atividades naturais e saudáveis, como o convívio familiar, amizades, hobbies, e até mesmo na leitura de bons livros. Esse “reset” no cérebro, necessário para a restauração das funções normais de prazer, requer tempo, disciplina, e o uso de técnicas eficazes de recuperação. Neste artigo, exploramos como é possível reconfigurar o cérebro para redescobrir prazeres que não estão ligados ao uso de substâncias, e o papel crucial de elementos como família, amigos, atividades saudáveis e terapia no processo.

O Impacto da Dependência Química no Cérebro

A dependência química, especialmente a de drogas psicoativas, afeta diretamente o sistema de recompensa do cérebro, que é responsável por regular sentimentos de prazer e bem-estar. Substâncias como cocaína, álcool e outras drogas aumentam drasticamente os níveis de dopamina no cérebro, o que gera uma sensação intensa de euforia. Contudo, ao longo do tempo, o uso contínuo dessas substâncias reduz a capacidade do cérebro de sentir prazer por meio de fontes naturais.

Segundo Koob e Volkow (2016), “a dependência resulta em uma disfunção no sistema de recompensa do cérebro, onde os estímulos naturais, como interações sociais ou hobbies, perdem a capacidade de gerar prazer.” Ou seja, o dependente químico passa a ter dificuldades em sentir prazer em atividades cotidianas, desenvolvendo um ciclo vicioso em que a única fonte de prazer é o uso de drogas.

No entanto, o cérebro possui a incrível capacidade de neuroplasticidade, o que significa que ele pode se reconfigurar com o tempo. Com a abstinência e a adoção de novos comportamentos, é possível “reeducar” o cérebro a sentir prazer em atividades naturais novamente.

O Papel da Família e das Amizades

Uma das ferramentas mais poderosas no processo de recuperação é o apoio social, especialmente de amigos e familiares. O convívio com pessoas que oferecem apoio emocional e incentivam práticas saudáveis contribui diretamente para o “reset” no cérebro, estimulando a produção de dopamina de maneira natural.

Durante a recuperação, é fundamental restabelecer laços sociais saudáveis, pois a sensação de pertencimento e de estar conectado aos outros pode gerar prazer e satisfação. Como aponta Marlatt (2005), “a reconexão com a família e os amigos após um período de isolamento, comum na dependência, é um passo crucial para restabelecer a capacidade do cérebro de encontrar prazer em interações sociais.”

Manter esses relacionamentos saudáveis é uma forma eficaz de restaurar a confiança e construir novas memórias agradáveis, que reforçam o prazer natural de estar junto com pessoas queridas. Esse tipo de experiência pode substituir o prazer artificial provocado pelas drogas, criando uma nova fonte de bem-estar emocional.

Redescobrindo o Prazer nas Atividades Cotidianas

Outra parte essencial do “reset” cerebral é redescobrir o prazer em atividades simples e cotidianas, como ler um bom livro, caminhar ao ar livre, praticar esportes, ou ouvir música. Inicialmente, essas atividades podem parecer sem graça para alguém em recuperação, mas a prática consistente e a exposição a elas contribuem para a restauração do sistema de recompensa do cérebro.

Em seu estudo sobre prazer e recuperação, Solomon (2006) afirma que “a exposição repetida a atividades prazerosas, mesmo que inicialmente sem grande efeito, ajuda o cérebro a se readaptar e, com o tempo, começa a ativar novamente os circuitos de recompensa.” Portanto, é importante criar uma rotina que inclua atividades prazerosas e desafiadoras, que possam fornecer um novo sentido de realização e satisfação.

Além disso, o envolvimento em atividades criativas, como pintar, escrever, ou tocar instrumentos musicais, tem um efeito positivo na recuperação. Atividades desse tipo estimulam o cérebro a produzir dopamina e outros neurotransmissores associados ao prazer, ajudando a restaurar a capacidade de sentir satisfação.

A Importância da Terapia e dos Programas de 12 Passos

O processo de “reset” cerebral também envolve a aplicação de métodos terapêuticos e a participação em programas de recuperação, como os 12 Passos. Esses programas, amplamente utilizados no tratamento da dependência química, oferecem ferramentas práticas para a recuperação emocional, mental e espiritual.

Segundo as diretrizes do SHP, o “Só por Hoje” (SPH) desempenha um papel importante ao ensinar os dependentes químicos a se concentrar em viver um dia de cada vez, o que reduz a ansiedade e facilita o processo de reconexão com fontes naturais de prazer. Além disso, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é eficaz em ajudar o indivíduo a mudar os padrões de pensamento disfuncionais que muitas vezes acompanham a dependência, permitindo um maior controle sobre seus comportamentos e emoções.

A TCC auxilia o dependente químico a identificar e modificar comportamentos automáticos que podem estar associados ao uso de substâncias. De acordo com Beck (2011), “os comportamentos disfuncionais podem ser substituídos por ações que promovem o bem-estar a longo prazo, com o cérebro sendo reconfigurado para encontrar prazer em fontes saudáveis.”

Superando o Desconforto Inicial da Abstinência

A fase inicial da abstinência é muitas vezes marcada pelo desconforto, tanto físico quanto emocional. Durante esse período, o cérebro está se ajustando à ausência das substâncias químicas que ele estava acostumado a receber. Este é um momento em que o dependente pode sentir uma “falta” de prazer, uma vez que o cérebro ainda não reaprendeu a encontrar alegria nas atividades naturais.

Neste contexto, é fundamental que o indivíduo mantenha a disciplina e continue buscando atividades prazerosas, mesmo que inicialmente não pareçam satisfatórias. Aos poucos, o cérebro irá se ajustar e começará a reagir positivamente a essas novas fontes de prazer. Koob e Volkow (2016) indicam que “a neuroplasticidade do cérebro permite que ele se adapte e crie novos circuitos de recompensa, mas isso leva tempo e exige um esforço contínuo.”

Viver o “Só por Hoje” e Oportunidades para Prazeres Naturais

O conceito de “Só por Hoje” é um pilar central no processo de recuperação. Ele incentiva o dependente químico a se concentrar no presente, desfrutando de cada momento sem se preocupar excessivamente com o futuro. Essa mentalidade é crucial para o “reset” no cérebro, pois ajuda a reduzir a ansiedade e permite que o indivíduo valorize pequenos prazeres diários, como uma boa conversa, um pôr do sol, ou uma refeição bem preparada.

A prática constante desse princípio reforça a ideia de que a recuperação é uma jornada, e que cada pequeno passo em direção à redescoberta do prazer é uma vitória significativa. Com o tempo, o cérebro reaprende a valorizar esses momentos, fortalecendo os circuitos naturais de prazer e satisfação.

Conclusão

O processo de “reset” no cérebro para redescobrir o prazer natural é uma parte essencial da recuperação da dependência química. Embora o caminho possa ser desafiador, a combinação de apoio social, envolvimento em atividades prazerosas, terapia e os princípios do “Só por Hoje” ajudam o cérebro a se reconfigurar. Esse processo, apesar de exigir tempo e disciplina, é fundamental para a construção de uma vida sóbria e plena, livre da necessidade de substâncias químicas para gerar prazer.

Referências

BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 2ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2011.

KOOB, George F., VOLKOW, Nora D. Neurobiology of Addiction: A Neurocircuitry Analysis. Annual Review of Psychology, 67: 2016, p. 589-614.

MARLATT, G. Alan. Relapse Prevention: Maintenance Strategies in the Treatment of Addictive Behaviors. 2ª edição. New York: Guilford Press, 2005.

SOLOMON, Robert. The Opponent-Process Theory of Acquired Motivation: The Costs of Pleasure and the Benefits of Pain. American Psychologist, 2006.

Sobre o Autor

Jacson Santos

|Mentor de sobriedade e desenvolvimento humano | Católico | Pai de 3 filhos | Em recuperação há 5 anos | Descobri que não existe caminho mais leve do que o da Cruz de Cristo
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